Os planos governamentais de educação básica no Brasil, em sua primeira versão, propunham a promoção da igualdade de “gênero e orientação sexual”. Esta igualdade é defendida pelos que querem ampliar os direitos da população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais); e recusada por outros, entre os quais estão segmentos religiosos cristãos alegando imposição de ideologia de gênero.

De fato, o papa Francisco alertou contra formas de uma ideologia chamada gender (gênero), que negariam a diferença e a reciprocidade natural entre homem e mulher, preveriam uma sociedade sem diferenças de sexo, e promoveriam uma identidade pessoal e uma intimidade afetiva desvinculadas da diversidade biológica entre homem e mulher. A identidade humana ficaria à mercê de uma opção individualista. O sexo biológico (sex) e função sociocultural do sexo (gender) podem se distinguir, mas não se separar (Amoris Laetitia, n. 56).

Este alerta, porém, não significa necessariamente uma condenação dos estudos de gênero e de tudo o que lhes diz respeito. Tais estudos são bastante heterogêneos e não há uma teoria unificadora e abrangente. Em geral, evidenciam o papel da cultura e das estruturas sociais na configuração e na relação entre os gêneros, questionam a subalternidade de um gênero a outro, e, nas últimas décadas, contemplam a realidade de pessoas LGBT.

Há pesquisas de neurociência concluindo que o sexo biológico não se reduz à genitália e à anatomia. É o cérebro que define a identidade e a orientação sexual. No caso de pessoas transgênero, o cérebro e a percepção de si não correspondem à genitália e ao restante do corpo. A pessoa se sente homem em um corpo de mulher, ou se sente mulher ou travesti em um corpo de homem. Com relação à orientação sexual, há odores ligados à masculinidade e à feminilidade, os feromônios, que quando inalados são identificados pelo cérebro e influem na percepção e no comportamento. No mundo animal, estes odores são fundamentais na aproximação entre os sexos e no acasalamento. Tomografias especializadas revelam que o cérebro de mulheres homossexuais responde aos feromônios de forma diferente do cérebro de mulheres heterossexuais, e de forma similar ao de homens heterossexuais. Experimentos semelhantes com homens homossexuais chagaram a resultados opostos e simétricos.

Mesmo que haja também fatores psicossociais incidindo nesta realidade, ser LGBT não é escolha e nem opção individualista. São faces da complexa diversidade entre homem e mulher. Não se pode querer que todos vivam como se fossem heterossexuais e cisgêneros (identificados com o sexo que lhes é atribuído ao nascer). Não se pode ignorar as diversas formas de discriminação e violência que oprimem e devastam tal população. A filósofa Judith Butler tem razão em querer que o medo da marginalização, da patologização e da violência seja radicalmente eliminado; bem como em almejar construir um mundo em que as pessoas possam viver e respirar dentro da sua própria sexualidade e do seu próprio gênero. Estes anseios têm convergências com a pregação e o exemplo do papa Francisco. Ele convoca a Igreja a ir às periferias existenciais, ao encontro dos que sofrem com as diversas formas de injustiças, conflitos e carências. O papa se encontrou com pessoas LGBT e seus respectivos companheiros, acolhendo-os e confortando-os. E justificou: “as pessoas devem ser acompanhadas como as acompanha Jesus. […] em cada caso, acolhê-lo, acompanhá-lo, estudá-lo, discernir e integrá-lo. Isto é o que Jesus faria hoje” (leia aqui).

A sã laicidade do Estado, que é um valor apreciado pela Igreja Católica, só é possível favorecendo a proteção das pessoas, sobretudo as mais vulneráveis, a liberdade religiosa e de consciência, e a convivência com a diversidade em um mundo plural. Só assim os LGBT poderão viver e respirar em seu próprio gênero e sexualidade. Só assim poderão também conhecer o jugo leve e o fardo suave oferecidos por Jesus.