Estudantes gays, bissexuais e transgêneros e lésbicas das escolas católicas britânicas deverão se sentir mais seguros no próximo ano letivo, graças a novas diretrizes para os educadores que visam reduzir o bullying às minorias sexuais. A publicação das diretrizes é um marco no apoio católico à comunidade LGBT, pois será a primeira iniciativa de combate ao bullying produzida em uma conferência de bispos católicos.
O artigo é de Francis DeBernardo, diretor executivo do New Ways Ministry, publicado por National Catholic Reporter, 17-08-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla para o IHU:

No final do último ano letivo, o Serviço de Educação Católica da Conferência dos bispos católicos da Inglaterra e País de Gales, em parceria com a Universidade de Saint Mary’s, Twickenham, produziu o documento Made in God’s Image: Challenging Homophobic and Biphobic Bullying in Catholic Schools (em português, Feito à imagem de Deus: desafiando o bullying homofóbico e bifóbico nas escolas católicas). O livreto de 36 páginas apresenta sólido pensamento católico para combater esse tipo de bullying e, de forma prática, traz oito planos de aula para discutir o respeito pelas pessoas lésbicas, gays e bissexuais com alunos do ensino médio. (Pessoas transgênero não são mencionadas nas seções gerais do documento, o bullying contra elas é mencionado brevemente nos planos de aula.)
O documento inicia estabelecendo as bases católicas e afirmando que as diretrizes são “parte do compromisso dos católicos com o cuidado pastoral dos alunos e, em particular, com a eliminação de estereótipos homofóbicos e do bullying para todas as crianças e jovens que estudam em escolas católicas”.
Ao reconhecer a desaprovação do magistério a relações genitais entre pessoas do mesmo sexo, ele dá um passo decisivo para a valorização do ensino da justiça social da Igreja como a lente através da qual o bullying deve ser visto. Além disso, os bispos incluem a equipe da escola, bem como os alunos, no grupo-alvo a ser protegido:
Se levarmos a sério a educação inclusiva nas escolas católicas, precisamos nos preocupar com a busca da equidade para todos os que trabalham em nossas comunidades. O ensino social da Igreja e a nossa participação neste ensino devem estar no centro do que orienta o nosso trabalho como comunidade. O bem-estar de todos – dos funcionários e dos alunos – requer a exclusão de quaisquer barreiras de preconceito, discriminação e opressão, em que todos se esforcem e percebem seu potencial como seres humanos únicos e realizados.
Os fundamentos católicos do documento e a maneira sensível com que lida com a questão emocional o tornarão muito eficaz. Mas outra grande contribuição é o reconhecimento dos bispos de que parte da motivação para a produção das diretrizes era se adequar aos requisitos do governo nacional de maior igualdade para as pessoas LGBT.
Embora a liberdade religiosa seja um valor precioso no Reino Unido, os bispos católicos, obviamente, não veem a regulamentação governamental sobre questões LGBT como uma violação de sua fé. Enquanto os bispos dos EUA gastam dinheiro e energia na luta contra a igualdade LGBT, os do Reino Unido trabalham para encontrar compatibilidade entre os regulamentos governamentais e a prática da fé.
Nos EUA, não existe um plano tão abrangente para combater o bullying nas escolas católicas. De acordo com um artigo católico dos EUA de fevereiro de 2016, nem a Associação Educativa Nacional Católica nem a Conferência dos Bispos Católicos dos EUA estava acompanhando o número de alianças entre heterossexuais e homossexuais nas escolas católicas.
Um estudo de 2013 realizado pela Rede de Educação Gay, Lésbica e Heterossexual informou que apenas 18% das escolas religiosas tinham tais clubes, que se mostraram eficazes na redução da incidência de bullying. No mesmo ano, mais de 50% das escolas não religiosas tinham alianças entre homossexuais e heterossexuais.
Em 2010, quando uma explosão de suicídios de jovens LGBT que haviam sofrido bullying chamou a atenção da mídia nacional, os líderes religiosos das diversas denominações se posicionaram pelo fim do tormento de insultos e humilhações. Visivelmente ausentes: os bispos católicos dos EUA. Apesar de estarem em conferência no momento em que o foco da mídia se voltou a essa questão, os bispos não emitiram nenhuma declaração. No entanto, emitiram uma declaração condenando iniciativas de igualdade matrimonial.
Os bispos católicos dos EUA rapidamente apontam seu apoio à dignidade humana das pessoas LGBT. Porém, a falta de políticas ou projetos concretos para apoiar seu discurso público sempre faz essas declarações parecerem vazias. Embora recentemente os bispos estadunidenses tenham melhorado nas questões LGBT, ainda há um longo caminho a percorrer.
O comitê da conferência dos bispos britânicos consultou mais de 50 escolas católicas para aprender com suas situações e recursos ao preparar o documento. Consequentemente, não se trata de uma ordem de cima para baixo, mas uma instrução baseada na experiência real dos educadores.
Ao explicar a necessidade das novas diretrizes, examina as questões estruturais que precisam ser abordadas para ensinar mais respeito pelos jovens LGBT. Não se trata simplesmente de corrigir o comportamento dos jovens que praticam bullying.
Por exemplo, professores e administradores – particularmente nas escolas católicas – geralmente têm poucos recursos para lidar com o bullying. Muitos não sabem se têm suporte de administradores e pais para abordar esses tópicos. Poucas bibliotecas escolares têm informações sobre desenvolvimento e identidade LGBT. Essas diretrizes fornecem não apenas segurança para os jovens LGBT, mas também o apoio aos educadores que querem protegê-los.
Elas não se afastam do tema das relações entre pessoas do mesmo sexo e do casamento. O documento recomenda discutir esses tópicos de forma “sensível, razoável, respeitosa e equilibrada”. Ainda, explica aos educadores que eles devem discutir os ensinamentos religiosos sobre o casamento “de forma apropriada no contexto educacional”, advertindo explicitamente sobre colocar ênfase excessiva no tema:
Seria inaceitável transmitir as crenças de uma escola através de sermões, assédio ou repreensões a determinado aluno ou grupo de alunos sob qualquer circunstância. … A possibilidade de o professor expressar seus pontos de vista não deve se estender a ponto de permitir discriminações contra outras pessoas.
O documento pode impactar a Igreja em outras áreas, além do bullying escolar. Em primeiro lugar, mostra como navegar de forma fiel e respeitosa pelo enigma da liberdade religiosa. As leis católicas de ensino e de igualdade civil podem coexistir e não precisam competir.
Em segundo, os bispos britânicos mostraram como transformar o ensino religioso, que condena a discriminação e a violência contra pessoas LGBT, em políticas concretas. Ainda mais importante é que os bispos do Reino Unido demonstraram que a ética sexual não precisa eclipsar a justiça social. Muitas vezes, nas discussões sobre questões LGBT, os bispos veem qualquer movimento em direção à justiça social como uma ameaça à ética sexual. Não é o caso do documento.
Será que outros bispos aproveitarão a lição que seus irmãos britânicos estão ensinando? Espero que sim. Já passou da hora de os líderes nacionais católicos dos EUA abordarem o problema do bullying ensinando os alunos nas escolas sobre sabedoria católica e respeito pelas pessoas LGBT de todas as idades. Ainda que o documento britânico tenha sido escrito no contexto da lei antidiscriminação do país, o conteúdo dos planos de aula pode ser facilmente transplantado para as salas de aula das escolas católicas dos EUA.
Os programas antibullying não só ajudam possíveis vítimas, mas também ajudam a prevenir potenciais agressores. A política 6bullying não se refere apenas aos jovens LGBT, mas à cura dos medos, ansiedades e falsidades que habitam as mentes de possíveis agressores. A cura acontece para todos.