No mês passado, o Papa Francisco visitou a América Central pela primeira vez, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude no Panamá – o maior encontro de jovens católicos do planeta. Eu também estava lá, com uma comunidade de seis peregrinos patrocinados pelo Equaly Blessed, uma coalizão de três organizações católicas dos EUA que trabalham pela igualdade LGBTQI (Call To Action, DignityUSA e New Ways Ministry).

Estávamos lá para defender os plenos direitos e inclusão das pessoas LGBTQI na Igreja Católica. Nosso objetivo era principalmente encontrar pessoas, estar presentes e visíveis. Nossa intenção era nos contrapor a qualquer mensagem oficial anti-LGBTQI. Ver o Papa não era necessariamente nossa maior prioridade. Na tarde de sua chegada, estávamos dando uma pausa no caos da multidão agitada, tomando sorvete e refletindo sobre os acontecimentos. De repente, ouvimos uma barulheira a apenas alguns quarteirões de distância – buzinas, vuvuzelas, alto-falantes. Alguns de nós corremos na direção do barulho. Ao dobrar a esquina e alcançar a multidão, lá estava ele: vimos, num lampejo, o papamóvel –  e, por um segundo, o rosto do pontífice.

Começamos a gritar e a nos abraçar. Estávamos chocados por termos alcançado a multidão exatamente no momento certo. “Estou tremendo”, disse Breanna Mekuly, uma de nossas peregrinas. “Não achava que ia me importar tanto, mas estou impactada.”

Ver o papa foi pura sorte. Passamos a maior parte da nossa semana sendo vistos por outras pessoas. Em quase todos os lugares que íamos usávamos faixas de arco-íris atravessadas no peito e levávamos uma faixa larga proclamando nossa missão: “Católicos fiéis comprometidos com a plena igualdade das pessoas LGBTQI.” A faixa chamou bastante atenção. Éramos abordados a cada poucos passos que dávamos. “Amei sua faixa” foi o que mais ouvimos. “Podemos tirar uma foto?” Respondíamos com entusiasmo, gesticulando para que se juntassem a nós e convidando: “Encontre-nos on-line, #equallyblessed!” Essas fotos do nosso grupo – às vezes suado e cansado, mas sempre sorrindo – podem ser encontradas nas redes sociais de dezenas de países. No final da semana, estávamos nos tornando virais: as pessoas atravessavam a multidão para nos perguntar se éramos do Equally Blessed e dizendo: “Estávamos procurando vocês!”.

Depois de cada fotografia, distribuíamos broches com as listras do arco-íris, onde se lia “I’m Equally Blessed” (“Sou igualmente abençoado”) e “It’s our church too” (“É nossa igreja também”), e fomos traduzindo para os muitos peregrinos latino-americanos que encontramos. Postamos sobre a experiência em nossas próprias páginas nas redes sociais e acabamos conseguindo ampliar o alcance da nossa mensagem junto aos panamenhos LGBTQI que, de resto, não estavam atentos à Jornada Mundial da Juventude. Conhecemos, por exemplo, o incrível fundador de um grupo de apoio para homens trans, um casal gay que administra um canal no YouTube e ajudou nossa mensagem a se espalhar pelo país, e a apresentadora lésbica de um podcast, que passou um dia inteiro nos mostrando o centro histórico da capital.

Embora a esmagadora maioria das pessoas nos cumprimentasse com entusiasmo, houve alguns olhares hostis, murmúrios e incidentes desencorajadores, em que fomos questionados criticamente. Em duas ocasiões, fomos à catequese de língua inglesa, onde um padre visitante dava uma pequena palestra, respondia algumas perguntas e depois celebrava a missa. Nesses espaços, havia mais católicos norte-americanos do que em outros lugares da JMJ. A vibração era diferente: não havia uma hostilidade muito explícita, mas sentíamos que estavam nos encarando.

Na nossa segunda manhã de catequese, decidimos participar da sessão de perguntas e respostas. Uma das nossas peregrinas, Meli Barber, entrou na fila usando sua faixa de arco-íris, ensaiando mentalmente a pergunta central da nossa viagem: onde estava o respeito e a compaixão pelas pessoas LGBTQI que a igreja professa ter para com todos? Apenas quando chegou a sua vez, anunciaram que a pergunta anterior tinha sido a última. Parecia decepcionantemente previsível, mas quando ela se virou para ir embora, várias pessoas pararam para perguntar o que ela teria dito. Com seu incentivo, ela voltou para o palco e pediu para ser ouvida.

Sua pergunta, elaborada cuidadosamente, veio do fundo do coração: “O que mais amo na fé católica é a dignidade de todas as pessoas. Mas o que sinto, como pessoa LGBT, é que a minha dignidade e a dignidade da minha família nem sempre são respeitadas. O que você tem a dizer sobre isso?”. A resposta completa do padre pode ser ouvida aqui (em inglês); era um sentimento geral de cuidado, embora sem nenhuma afirmação concreta. No entanto, independentemente de como ele escolheu responder, o verdadeiro impacto da coragem de Meli veio depois que a sessão terminou. Fomos mais uma vez cercados por apoiadores, gratos por ela ter falado. Um em especial se destacou: o líder de um grupo que a abraçou e sussurrou que ele também era gay, em seguida, pegou um broche e prendeu-o dentro da camisa.

[Nota do editor: Meli Barber escreveu seu próprio relato da Jornada Mundial da Juventude, que foi publicado no site da National Catholic Reporter, aqui (em inglês). As experiências do peregrino Keith Hall foram apresentadas em um artigo no site The Washington Blade, aqui (em inglês). Os outros peregrinos eram Cooper Kidd e Evan Vaughn. John Freml, coordenador do Equally Blessed, viajou com eles como assistente.]

Meli, que deixou seu trabalho no ministério da igreja para poder casar com sua esposa, mais tarde nos disse que, alguns anos antes, ela poderia ter feito o mesmo que o rapaz gay que veio falar com ela. Pensei em quantas pessoas tinham sido impactadas por sua pergunta, muito além daquelas que haviam nos abordado imediatamente depois. Lembrei de uma jovem que conhecemos em nossa primeira caminhada por um shopping panamenho. Ela estava em lágrimas: naquela mesma manhã, havia ouvido comentários homofóbicos de um padre, mas mal conseguiu conter sua alegria ao nos encontrar lá. Lembrei também da freira que conhecemos momentos depois, que pegou nossos broches do arco-íris e os distribuiu para todo o seu grupo.

Lá pelo meio da semana, alguém me perguntou como eu poderia justificar minha permanência na igreja. Respondi que não conseguiria sem fazer parte do Equally Blessed e sem escrever no blog do New Ways Ministry (Bondings 2.0). O catolicismo sempre foi um lar para mim, mas não posso justificar minha presença se ele não for o lar de todos que querem estar aqui. Principalmente, porém, a igreja é muito mais que a hierarquia institucional. A igreja são as centenas de pessoas que vieram até nós com lágrimas e alegria, perguntas e bênçãos. São os religiosos e religiosas que pegaram nossos broches e os prenderam com orgulho na roupa. São as pessoas que nos viram e não disseram nada, mas lembrarão de nós. É o grupo incrível com quem viajei. São os jovens que ainda têm tanto por realizar.

Na cerimônia de abertura, o Papa Francisco recordou as palavras de São Oscar Romero: “Um santo destas terras gostava de dizer que ‘o cristianismo não é uma coleção de verdades para crer, de regras a serem seguidas ou de proibições. Pensar assim muda tudo. O cristianismo é alguém que me ama imensamente, que exige e pede meu amor. Cristianismo é Cristo.’”

Há muito trabalho a fazer, mas deixei a Jornada Mundial da Juventude com uma esperança ardente de que a visão de Romero possa ser verdadeira.

– Catherine Buck, New Ways Ministry, 12 de fevereiro de 2019

Publicado originalmente no New Ways Ministry.

Tradução: Cris Serra