Viçosa, Minas Gerais, 03 de novembro de 2013.

Caros jovens gays da minha igreja, gays como eu, e católicos como eu:

Hoje me senti orgulhoso de mim. Bastante. Viajei para uma cidade próxima à minha, para participar de um encontro celebrado anualmente pela pastoral de que participo em nossa Igreja, e fui carregando na bolsa uma bandeira do arco-íris e um pouco de ousadia. Meu objetivo era fazer uma “intervenção”: exibir comigo a bandeira durante as atividades, tentando provocar alguma reflexão sobre a nossa existência, sobre a nossa identidade de gays e cristãos, que as pessoas costumam ver como ambígua.

Não foi uma tentativa de alfinetar ou desrespeitar o espaço, como alguém pode vir acusar. Estar lá, com a minha bandeira, não agredia a fé de ninguém. Fiz o que fiz por ver que ainda temos muitos silêncios a serem quebrados. A maior violência que nos atinge é uma invisibilidade que toma proporções muito significativas em uma instituição que só fala do sexo quando é para proibi-lo. A consequência disso é que muitos de nós, se em algum momento achamos que Deus nos odeia, ainda precisamos enfrentar tudo com a sensação dura de que estamos sozinhos – ainda que existam outras pessoas entre nós vivendo os mesmos dramas, ou pessoas que já tenham passado por eles e possam nos ajudar a superá-los.

Romper esse silêncio sempre foi uma questão importante pra mim, e por isso quis carregar a minha bandeira para o lugar onde estava indo viver a minha fé. Lá, esperei todas as reações possíveis. Até que as pessoas, timidamente, começaram a se aproximar. E, graças a Deus, foi bonito. Tão bonito que me fez vir aqui escrever essa carta pra você.

As primeiras pessoas a vir falar comigo eram como nós: católicos e gays. Primeiro, um casal de meninas lésbicas, participantes de um grupo de jovens, que elogiaram a bandeira com um sorriso, e pediram uma foto. Bastou que elas chegassem para os outros pedidos começarem a acontecer. Um garoto gay com a amiga lésbica, depois outro grupo de amigas, sempre com o mesmo pedido de uma fotografia com a bandeira, às vezes me chamando para aparecer na foto. Pouco depois, começaram a vir me cumprimentar também meninos e meninas heterossexuais, que eventualmente contavam o caso de um ou outro amigo gay, que estava passando por dramas ou dificuldades em casa, na Igreja…

E nessas conversas breves, duas coisas me chamavam atenção. A primeira, nos héteros: era perceptível a vontade de falar daquilo que não se fala nas nossas igrejas. Vinha dali um desejo empolgado de conversar sobre aquilo, falar, discutir, debater com franqueza e praticar o exercício da escuta… um desejo que parecia ter encontrado espaço pela primeira vez naquela bandeira que ousava se exibir. A segunda coisa curiosa vinha dos nossos iguais, gays e lésbicas: ainda que estivessem ali, no espaço religioso, vivendo a sua fé sem conflito aparente, pareciam se espantar um pouco diante da minha fé sem armário, como se aquela visibilidade incomum assustasse, ainda que positivamente. Não à toa, foram muitos os olhares admirados quando, durante a missa, recebi a comunhão com a bandeira amarrada às costas.

Mas o que foi ainda mais bonito de ver foi que havia ali, em todo mundo, um sorriso de esperança e um sonho compartilhado. A vontade de conversar dos héteros parecia se transformar em um desejo de construir mudanças, ampliando os limites daquela discussão curta. O espanto aparente dos gays e das lésbicas rapidamente se convertia em uma espécie de cumplicidade de iguais, que se compreendem e querem buscar o mesmo espaço. No fim, eu, que estava tentando dizer a eles que não precisavam viver os seus processos sozinhos ou escondidos, recebia através de um abraço afetuoso uma resposta que me enchia de alegria e esperança: eu também não precisava travar sozinho a minha luta por uma Igreja mais livre, acolhedora e transformadora. Aqueles jovens se dispuseram a ser essa Igreja junto comigo.

Queria partilhar contigo essa história, caro jovem gay cristão, porque penso que só caminharemos para uma Igreja e uma sociedade melhores no dia em que aprendermos a valorizar essa troca, essa conversa sobre as histórias, os conflitos e os amores, que leva a gente a perceber que temos sonhos parecidos e que conseguimos mais quando estamos juntos. Ou a gente toma as rédeas e fala da própria vida, ou alguém falará por nós, muitas vezes perpetuando os eternos discursos que geram a homofobia, a negação de direitos, e até uma suposta condenação ao inferno…

Escrito por Murilo Araújo para o site Vestiário em 2013. O site não existe mais, mas este trecho foi reproduzido em nosso blog em 5/11/2013.