“Queridos companheiros de jornada, sou um participante um tanto bissexto, tanto nos meus comentários no Blog, quanto nas minhas idas às (fantásticas) reuniões do Diversidade Católica, aonde fui levado por um amigo de muitos anos. Minha pouca assiduidade, no entanto, não é por falta de interesse, mas de tempo, pois, se eu pudesse, pela grandeza e importância que vejo no trabalho desse grupo tão verdadeiramente cristão, seria um ativista ávido e perene das reuniões e das leituras desta página.

Como fui chamado (nem digo apenas “convidado”), no “informe” do DC, a ler e dialogar com o testemunho desta semana, eis-me aqui.

O que o Rodolfo passou […] é, sem dúvida, um dos grandes conflitos que nos assolam. Muitos de nós (não posso dizer “todos”) não aceitam a situação de mascarar a própria orientação sexual e continuar indo à igreja como se aquela orientação simplesmente não existisse. E é nesse grupo de pessoas – nós, que aqui dialogamos – que nasce o conflito entre ser gay e ser católico. Muitos não aceitam a aludida “vida dupla”, que o Rodolfo citou. É, sem sombra de dúvida, uma fase de verdadeiro suplício interno, estertores psíquicos indescritíveis, uma tortura na alma. Só nós que passamos por isso sabemos exatamente o tamanho e a amplitude da dor.

O que quero dizer é simples, assim como Cristo é simples, e claro, assim como Cristo é claro. “A casa de meu Pai tem muitas moradas”. Somos, sim, abençoados exatamente como somos. Deus não nos fez gays por um “erro”. Deus não erra. Que redundância dizer isso, não é mesmo? Não, não é redundância não. Há muitas pessoas que, indiretamente, ainda acham que Deus erra. Que nós, gays, por exemplo, somos um erro de Deus. Na melhor das hipóteses porque Deus teria feito homens e mulheres que não “serviriam” para suas únicas funções: a procriação. Por analogia, Deus também errou quando criou homens e mulheres estéreis. Por analogia, Deus também errou quando chamou vocacionados ao celibato… Etc.
Deus não erra. Essa frase tão tola e – redundante! deveria ser óbvia. Mas não é para muitos.
Nós, gays, não somos um erro de Deus. Nem os que não podem gerar filhos biologicamente. Nem os que abraçaram com amor o celibato.

“A casa de NOSSO Pai tem muitas moradas”. Paulo de Tarso ainda cita um versículo do Livro dos Reis: “Cada um se apresente ao Pai na forma como foi concebido e chamado”.Pode haver maior clareza? Infelizmente há pessoas que abominam a luz de tal forma, que a clareza e a simplicidade de Jesus, em vez de iluminar e limpar, ofusca e arranha.

Que a Virgem Maria tenha compaixão de todos nós, incluindo os que nos batem na face, e que eles sejam perdoados, Pai, porque não sabem o que estão fazendo…

Para terminar, sou Franciscano da Ordem Terceira, e sempre cito São Francisco, “O pobre de Deus”. Quando ele fundou sua ordem, tendo tido uma revelação de São Damião para restaurar as ruínas da Porciúncula, e em seguida do próprio Cristo, que lhe disse – “Vai, Francisco, e restaura toda a minha Igreja” -, Francisco foi procurar o Papa, que sofreu todo tipo de pressão contrária à criação da ordem monástica dos franciscanos e subsequentemente das clarissas, por Santa Clara de Assis. Francisco e Clara foram, portanto, excluídos da Igreja por um tempo, bastante grande. Andaram mendigando e por conta própria, sem apoio da igreja, por muitos anos. Assim como nós, os gays.

Mas, em vez de desistirem ou de virarem as costas à Igreja de Cristo, insistiram na fé e na fidelidade, e foram até o sucessor de São Pedro até conseguirem sua bênção. Francisco diz, no seu “Cântico às criaturas”: “Eu não deixarei jamais de mar a Igreja do Salvador, ainda que ela me torturasse e me queimasse”. E quantos mártires e santos conhecemos que tiveram exatamente a mesma atitude? Mesmo torturados e queimados, não viraram as costas à Igreja, não deixaram de amá-la nem por um instante. Somos gays, mas antes de tudo somos cristãos. E temos de aceitar quando alguém nos vira as costas, porque essa pessoa ou instituição está na ignorância e merece misericórdia. Foi o ensinamento de Cristo, de Francisco, da Virgem Maria, de todos os santos e santas, que morreram, todos, por nós, por nossos pecados, e para nos dar seus próprios corpos como lição maior, como exemplo irretorquível.

Eu, em muitos momentos da minha vida, lembrando de São Francisco, já me disse: “Eu amo a Igreja, APESAR de ela estar fazendo isso comigo”. Mas, amigos, me parece que as coisas vêm mudando. Já não é mais necessário viver “vidas duplas” (infelizmente para algumas famílias ainda o é), e como diz o Rodolfo, já podemos nos sentir, sim, abençoados.

Esse verbo (“abençoar”) vem do substantivo “bênção”, que, por sua vez, vem do latim “benedictĭo”, que é um particípio depoente, que significa “aquele que é bem dito”. Somos benditos como Deus nos fez. Somos amados, amamos a Deus sobre todas as coisas e ao nosso semelhante como a nós mesmos, respeitando, pois, as duas ÚNICAS leis que Jesus nos mandou seguir.

Não temos que ter nenhuma vergonha de sermos o que Deus quis que fôssemos. Se Ele não nos quisesse assim, seríamos diferentes.

Somos benditos.

Que Nossa Senhora continue nos protegendo: benedicta tu in mulieribus, et benedictus fructus ventris tui, Jesus.

Abraços, queridos,

Marcelo”

Escrito originalmente como um comentário a este depoimento do nosso blog, em 2011, por Marcelo Moraes Caetano, membro do Diversidade Católica, e republicado como uma postagem do blog.